quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

REGIONALISMOS



Paisagem de interior

Jessier Quirino


Matuto no mêi da pista
menino chorando nu
rolo de fumo e beiju
colchão de palha listrado
um par de bêbo agarrado
preto véio rezador
jumento jipe e trator
lençol voando estendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Três moleque fedorento
morcegando um caminhão
chapéu de couro e gibão
bodega com surtimento
poeira no pé de vento
tabulêro de cocada
banguela dando risada
das prosa do cantador
buchuda sentindo dor
com o filho quase parido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Bêbo lascando a canela
escorregando na fruta
num batente, uma matuta
areando uma panela
cachorro numa cadela
se livrando das pedrada
ciscador corda e enxada
na mão do agricultor
no jardim, um beija-flor
num pé de planta florido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Mastruz e erva-cidreira
debaixo dum jatobá
menino querendo olhar
as calça da lavadeira
um chiado de porteira
um fole de oito baixo
pitomba boa no cacho
um canário cantador
caminhão de eleitor
com os voto tudo vendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Um motorista cangueiro
um jipe chêi de batata
um balai de alpercata
porca gorda no chiqueiro
um camelô trambiqueiro
avelós e lagartixa
bode véio de barbicha
bisaco de caçador
um vaqueiro aboiador
bodegueiro adormecido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Meninas na cirandinha
um pula corda e um toca
varredeira na fofoca
uma saca de farinha
cacarejo de galinha
novena no mês de maio
vira-lata e papagaio
carroça de amolador
fachada de toda cor
um bruguelim desnutrido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Uma jumenta viçando
jumento correndo atrás
um candeeiro de gás
véi na cadeira bufando
radio de pilha tocando
um choriço, um manguzá
um galho de trapiá
carregado de fulô
fogareiro abanador
um matador destemido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Um soldador de panela
debaixo da gameleira
sovaqueira, balinheira
uma maleta amarela
rapariga na janela
casa de taipa e latada
nuvilha dando mijada
na calçada do doutor
toalha no aquarador
um terreiro bem varrido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.


Um forró de pé de serra
fogueira milho e balão
um tum-tum-tum de pilão
um cabritinho que berra
uma manteiga da terra
zoada no mêi da feira
facada na gafieira
matuto respeitador
padre, prefeito e doutor
os home mais entendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.

6 comentários:

  1. Jessier Quirino é paraibano de Campina Grande, arquiteto por profissão, poeta por vocação, vive atualmente em Itabaiana. É o autor dos livros "Paisagem de Interior", "A Miudinha", "O Chapéu Mau", "O Lobinho Vermelho" e "Agruras da Lata D'Água", além de cordéis, causos, musicas e outros escritos. O crítico do Jornal do Commércio - Recife fez o seguinte comentário, quando do lançamento de seu último livro:

    "A poesia matuta já é um estilo consagrado da literatura brasileira. Nomes como Patativa do Assaré, Catulo da Paixão Cearense e Zé da Luz são conhecidos em todo o país como os principais representantes do gênero. Um pouco menos famoso que os três, mas podendo ser considerado tão importante quanto, é Jessier Quirino, poeta paraibano que vem se destacando por seu estilo humorístico."

    Rosali Bragança: muito obrigado pela indicação.

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  2. REGIONALISMOS

    ASSALTANTE PARAIBANO

    Ei, bichim... Isso é um assalto... Arriba os braços e num se bula, num se cague e num faça munganga... Arrebola o dinheiro no mato e não faça pantim, se não enfio a peixeira no teu bucho e boto teu fato pra fora ... Perdão meu Padim Ciço, mas é que eu tô com uma fome da moléstia.

    ASSALTANTE BAIANO

    Ô meu rei... (pausa) Isso é um assalto... (longa pausa) Levanta os braços, mas não se avexe não...(outra pausa) Se num quiser nem precisa levantar, pra num ficar cansado ... Vai passando a grana, bem devagarinho (pausa pra pausa) Num repara se o berro está sem bala, mas é pra não ficar muito pesado. Não esquenta, meu irmãozinho, (pausa) Vou deixar teus documentos na encruzilhada ...

    ASSALTANTE MINEIRO

    Ô sô, prestenção .. isso é um assarto, uai. Levanta os braço e fica quetin quêsse trem na minha mão tá cheio de bala... Mió passá logo os trocados que eu num tô bão hoje. Vai andando, uai ! Tá esperando o quê, uai !!!

    ASSALTANTE PAULISTA

    Ôrra, meu ....Isso é um assalto, meu Alevanta os braços, meu ... Passa a grana logo, meu . Mais rápido, meu, que eu ainda preciso pegar a bilheteria aberta pa comprar o ingresso do jogo do Curintia, meu ... Pô, se manda, meu ...

    ASSALTANTE GAÚCHO

    Ô gurí, ficas atento .. Báh, isso é um assalto . Levanta os braços e te aquieta, tchê! Não tentes nada e cuidado que esse facão corta uma barbaridade, tchê. Passa as pilas prá cá! E te manda a la cria, senão o quarenta e quatro fala.

    ASSALTANTE DE BRASILIA

    Querido povo brasileiro, estou aqui no horário nobre da TV para dizer no final do mês, aumentaremos as seguintes tarifas: Energia, Água, Esgoto, Gás, Passagem de ônibus, Imposto de renda, Lincenciamento de veículos, Seguro Obrigatório, Gasolina, Álcool, IPTU, IPVA, IPI, CMS, PIS, COFINS? Mas não se preocupe: somos PENTA.

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  3. Vozes da Seca
    Luíz Gonzaga
    Composição: Luiz Gonzaga / Zé Dantas
    Seu doutô os nordestino têm muita gratidão
    Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão
    Mas doutô uma esmola a um homem qui é são
    Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão
    É por isso que pidimo proteção a vosmicê
    Home pur nóis escuído para as rédias do pudê
    Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê
    Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê
    Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage
    Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage
    Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage
    Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage
    Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão
    Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!
    Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão
    Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos

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  4. Chover (ou Invocação Para Um Dia Líquido)
    Cordel Do Fogo Encantado
    Composição: Lirinha; Clayton Barros

    "O sabiá no sertão
    Quando canta me comove
    Passa três meses cantando
    E sem cantar passa nove
    Porque tem a obrigação
    De só cantar quando chove*
    Chover chover
    Valei-me Ciço o que posso fazer
    Chover chover
    Um terço pesado pra chuva descer
    Chover chover
    Até Maria deixou de moer
    Chover chover
    Banzo Batista, bagaço e banguê
    Chover chover
    Cego Aderaldo peleja pra ver
    Chover chover
    Já que meu olho cansou de chover
    Chover chover
    Até Maria deixou de moer
    Chover chover
    Banzo Batista, bagaço e banguê
    Meu povo não vá simbora
    Pela Itapemirim
    Pois mesmo perto do fim
    Nosso sertão tem melhora
    O céu tá calado agora
    Mais vai dar cada trovão
    De escapulir torrão
    De paredão de tapera**
    Bombo trovejou a chuva choveu
    Choveu choveu
    Lula Calixto virando Mateus
    Choveu choveu
    O bucho cheio de tudo que deu
    Choveu choveu
    suor e canseira depois que comeu
    Choveu choveu
    Zabumba zunindo no colo de Deus
    Choveu choveu
    Inácio e Romano meu verso e o teu
    Choveu choveu
    Água dos olhos que a seca bebeu
    Quando chove no sertão
    O sol deita e a água rola
    O sapo vomita espuma
    Onde um boi pisa se atola
    E a fartura esconde o saco
    Que a fome pedia esmola**
    Seu boiadeiro por aqui choveu
    Seu boiadeiro por aqui choveu
    Choveu que amarrotou
    Foi tanta água que meu boi nadou***
    *Zé Bernardinho
    **João Paraíbano
    ***Toque pra boiadeiro

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  5. Usina (Tango no Mango)
    Mestre Ambrósio
    Composição: Chico Antônio e Paulírio

    Ajustei um casamento
    Com a nêga dum bordel
    Pensando que era uma moça
    E era o diabo duma véia
    Tombo no martelo tombador
    Tombo no martelo militar
    Me caso contigo véia
    Deve ser em condição
    D’eu dormir na minha rede
    E tu véia, no fogão
    Me casei com esta véia
    Pra livrar da fiarada
    A danada dessa véia
    Teve dez numa ninhada
    Desses dez que nasceram
    Um deu pra ladrão de bode
    Deu no tango e deu no mango
    Dos dez só ficaram nove
    Dos nove que ficaram
    Um deu pra ladrão de porco
    E deu no tango e deu no mango
    Dos nove ficaram oito
    Dos oito que ficaram
    Um deu pra ladrão de jegue
    Deu no tango e deu no mango
    Dos oito ficaram sete
    Dos sete que ficaram
    Um deu pra ladrão de rês
    Deu no tango e deu no mango
    Dos sete ficaram seis
    Desses seis que ficaram
    Um deu pra ladrão de pinto
    E deu no tango e deu no mango
    Dos seis só ficaram cinco
    Dos cinco que ficaram
    Um deu pra ladrão de pato
    E deu no tango e deu no mango
    Dos cinco ficaram quatro
    Dos quatro que ficaram
    Um deu pra roubar outra vez
    Deu no tango e deu no mango
    Dos quatro ficaram três
    Desses três que ficaram
    Um deu pra ladrão de boi
    Deu no tango e deu no mango
    Dos três só ficaram dois
    Desses dois que ficaram
    Um deu pra roubar jerimum
    Deu no tango e deu no mango
    Desses dois só ficaram um
    Desse um que ficaram
    Um deu pra roubar ladrão
    Deu no tango e deu no mango
    Acabou-se a geração

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  6. Coco da Lagartixa
    Antonio Nóbrega

    Eu vi uma lagartixa,
    - redondo sinhá,
    E ela era comportada,
    - redondo sinhá.
    Saía à boca da noite,
    Chegava de madrugada,
    Com a saia na cabeça,
    Soluçando embriagada.
    Com a saia na cabeça,
    - redondo sinhá,
    Soluçando embriagada.
    - redondo sinhá.
    Eu vi outra lagartixa
    Num coco de embolada,
    Negava ser mulher-dama
    Mas depois de três bicadas
    Me pegou assim d'um jeito,
    Me matou de umbigada!
    Eu vi uma lagartixa,
    Ai, estava na janela,
    Ai, dizendo que era honrada,
    Que era moça donzela.
    Vi quatro calangos verdes:
    Todos eram filhos dela!
    Eu vi outra lagartixa,
    Essa era uma senhora.
    Passava a noite no samba,
    Cachimbava a toda hora,
    Dizia pro seu marido:
    "é duro trabalhar fora!"
    Eu vi uma lagartixa,
    Que na lagoa morou.
    Que sonhava ser princesa
    Por um sapo apaixonou-se,
    Beijou ele a vida inteira:
    Ele não desencantou!
    Eu vi outra lagartixa
    Tomando banho de açude.
    O açude estava cheio,
    Fui banhar-me mas não pude,
    Ela sujou toda água,
    Ainda ficou cheia de grude!
    Eu vi uma lagartixa
    Enganar pato e guiné,
    Teve um filho de uma pulga,
    Outro de um bicho-de-pé,
    Doze de uma cobra d'água,
    Vinte e três de um jacaré!
    Eu vi outra lagartixa
    Que queria se casar.
    Me pediu em casamento
    Mas mamãe jurou não dar.
    Ela fugiu com papai,
    Suas filhas eu fui criar!
    Eu vi uma lagartixa
    Ai, estava no meio da feira,
    Tinha pra mais de cem netos,
    Jurava que era solteira.
    Perguntei a sua idade,
    Me negou a vida inteira!
    Eu vi outra lagartixa
    Na varanda de um sobrado,
    Ela estava namorando
    Junto com seu namorado,
    Assentada na cadeira
    E o rabão dependurado!
    Quem 'ver' uma lagartixa
    No sertão, mata ou no mar,
    Entregue logo pra ela
    Um pandeiro ou um ganzá,
    Que ela canta esse coco
    Do jeito que eu ouvi lá!

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É O QUE TEM PRA HOJE: "POUCO PAPO E SÓ... SU-CEEEEEEES-SO!!!"



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