Educação
Do zero ao
topo do ranking
A história dos cinco
jovens que venceram
a miséria, entraram na universidade e
estão
hoje entre os melhores alunos do
país
Camila Antunes
Fotos
Anderson Schneider e Nabor Goulart
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ALFABETIZADA NA ROÇA PELA IRMÃ MAIS
VELHA
A brasiliense
Natalina Pinheiro, campeã no curso de biblioteconomia: os pais
analfabetos realizaram o sonho de ver três dos doze filhos chegar
ao fim da universidade
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ACAMPADA NUMA SALA DE
AULAA gaúcha Theilis
Pereira, primeira colocada em arquivologia, não desistiu ao ouvir
que não havia vagas no dormitório da universidade: "Minha única
chance era seguir com os estudos"
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A gaúcha Theilis Pereira,
25 anos, chamou atenção em sua estréia na universidade. Enquanto os
colegas carregavam livros e mochilas, a jovem trazia nas costas um
colchonete. Sua única chance de seguir com os estudos seria morar
no campus. Theilis ouviu de um funcionário que o alojamento estava
lotado e, até que surgisse uma vaga, passou um mês acampada em uma
sala de aula vazia. Filha de um mestre-de-obras e de uma empregada
doméstica, ambos semi-analfabetos, Theilis concluiu, com louvor, no
ano passado o curso de arquivologia na Universidade Federal de
Santa Maria, a 100 quilômetros de Caçapava do Sul, sua cidade
natal. De acordo com o novo Enade, prova aplicada aos
universitários pelo Ministério da Educação (MEC), a jovem gaúcha é
uma das melhores estudantes do país e aparece em primeiro lugar em
sua área: tirou nota 8,3 – num exame cuja média geral não
ultrapassou 4,5. Dos vinte campeões no ranking oficial, outros
quatro, além de Theilis, surpreendem por contrariar uma velha
lógica: enquanto a maioria dos bons universitários vem de famílias
mais escolarizadas e de renda mais alta, esses estudantes se
destacaram em meio à escassez absoluta.
Antes de chegarem em primeiro lugar na prova do
MEC, os cinco campeões mais pobres venceram uma peneira ainda pior.
Todo ano, dos 2 milhões de estudantes egressos de escolas públicas,
como eles, apenas 100 000 chegam à universidade. Isso mesmo: 1,9
milhão, ou 95% dos jovens brasileiros, ficam longe das salas de
aula por volta dos 18 anos. Theilis e o restante do grupo abriram
mão de programas noturnos e vararam madrugadas sobre os livros
(muitas vezes com uma lanterna na mão para não incomodar os irmãos)
na tentativa de superar a má formação escolar – e passar no
vestibular. A desvantagem dos campeões não era pequena: com base em
dados do MEC, sabe-se que alunos de escola pública registram, em
média, atraso de quatro anos nas matérias. Foi essa lacuna que eles
venceram, em primeiro lugar. Depreende-se ainda um segundo fato em
comum ao grupo: apesar de virem de famílias cujos pais não têm
estudo e vivem com dois salários mínimos por mês, esses estudantes
receberam toda espécie de incentivo para não desistir da escola nem
da universidade. "A vida inteira foi
assim: o trocado que sobrava no bolso ia para a compra de livros
e jornais", conta o aposentado Antônio Santos, pai de três
filhos que chegaram à universidade. Um deles, Alessandro, surgiu na
lista do MEC como o melhor do país em relações públicas, notícia
que fez Antônio encher-se de emoção – e vaidade. "Tenho
dificuldade em ler, mas sempre soube que investir em estudo era o
certo na vida."
Nos últimos quatro anos, Antônio, que ganha 500
reais por mês, rachou com o filho as mensalidades da faculdade,
enquanto a irmã mais velha lhe financiou as passagens de ônibus.
Até tomar a decisão de ingressar numa instituição particular, a
Cásper Líbero, o jovem Alessandro, morador de Taboão da Serra,
cidade na periferia da capital paulista, havia amargado dois
fracassos no vestibular da Universidade de São Paulo (USP). É o que
ocorre com 96% dos jovens de estratos de renda mais baixos quando
tentam entrar na USP. A maioria desiste do sonho universitário.
Alessandro, por sua vez, empregou-se como caixa de supermercado na
rede Wal-Mart para bancar os estudos numa faculdade particular.
"Varro o chão, empacoto a comida e, quando dá tempo, leio João
Cabral de Melo Neto." Sua rotina, semelhante à dos estudantes mais
pobres que sobressaíram no ranking oficial, de novo enfatiza a
idéia de que o esforço pode, sim, neutralizar um ponto de partida
ruim nos estudos. Alessandro acorda todos os dias às 6 horas, volta
para casa depois da meia-noite e estuda com disciplina nos raros
intervalos. Com olheiras, mas animado, começou a colher os
resultados. Na semana passada, foi avisado de que receberá uma
promoção no supermercado, com chance de atuar, afinal, na área em
que se graduou.
Julia
Moraes
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Marcelo Elias |
O DIPLOMA AJUDOU
Alessandro
Santos, campeão do curso de relações públicas (à esq.), e
Juliano de Andrade, o melhor em ciências contábeis, já colhem os
resultados do diploma universitário: o primeiro, que trabalha como
caixa de supermercado, será promovido; o outro tornou-se chefe e
recebe hoje o dobro do salário
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O jovem de Taboão da Serra e seus colegas em
destaque no Enade experimentam aquilo que os teóricos não se cansam
de repetir – e quantificar: quanto mais se estuda, maiores
são as oportunidades de um bom emprego. Quem conclui a universidade
tem salários, em média, 168% superiores aos daqueles que não passam
do ensino médio, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). Sem o diploma, Juliano de Andrade estava
estacionado em um salário de 1.000 reais, que recebia havia dez
anos numa firma de contabilidade de Curitiba. Filho de uma família
pobre, tinha até então passado de office-boy a contador por puro
esforço, mas se deu conta de que precisava estudar mais para subir
na empresa. Aos 28 anos, fez cursinho (onde cultivou fama de aluno
exemplar) e passou – em primeiro lugar – em ciências
contábeis na Universidade Federal do Paraná, feito que repetiu,
agora, com o Enade. O diploma ajudou. O salário de Juliano logo
dobrou e, aos 33 anos, ele ganhou um cargo de chefia e novo ânimo
para os estudos: "Vou até o doutorado".
Ao jogar luz sobre histórias como as de Juliano,
Alessandro e Theilis, o MEC não só enfatiza uma idéia simples, de
que empenho fora do comum traz ótimos resultados, como também põe
em prática algo raro no país: uma política de estímulo ao mérito.
Os vinte campeões do Enade serão premiados com uma vaga de mestrado
numa universidade a sua escolha, com ajuda financeira incluída.
Para a brasiliense Natalina Pinheiro, 22 anos – a filha de
caseiros que foi alfabetizada na roça pela irmã mais velha –,
é muito além do que havia planejado na infância. "Peguei muito
livro emprestado sonhando um dia pelo menos chegar à universidade",
diz a moça, hoje formada em biblioteconomia pela Universidade de
Brasília. Para jovens como ela, ter o talento – e o esforço
– reconhecido já é, por si só, um incentivo para que estudem
mais. A divulgação do ranking do MEC também deu a esses estudantes
nova dimensão em suas respectivas vizinhanças: eles se tornaram uma
espécie de celebridade local. A melhor estudante do país no curso
normal (de ensino superior), Fabiana Vicente, 26 anos, não pode sair à rua que esbarra com uma fila de
pessoas lhe dando abraços e parabéns. Em Pedro Leopoldo,
município a 45 minutos de Belo Horizonte, há pelo menos dez faixas
em homenagem a ela. Diz a pragmática filha de um mecânico e de uma
ex-empregada doméstica: "Estudei muito, sim. Quem quer melhorar de
vida não tem tempo a perder".
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