AMOR E TRAGÉDIA
O encantamento se desfaz, e
sentimentos de desconfiança e desprezo misturam-se de forma confusa.
É inaceitável admitir que o relacionamento acabou. Vem o desespero. Nas
fantasias, o outro merece punição. A devoção vira ódio - e pode matar. Será que
você corre o risco de embarcar numa paixão obsessiva assim?
Você certamente se lembra das
lindas histórias de faz-de-conta que ouvia quando criança, em que o amor sempre
vence no final. Depois de enfrentar intempéries e monstros, os pombinhos, fossem
eles plebeus ou príncipes, terminavam juntos e felizes para a eternidade. O
inimigo era sempre derrotado e, com ele, iam embora quaisquer empecilhos à
felicidade do casal: ciúme, infidelidade, medo da separação, insegurança. Dessa
maneira, a vida a dois se tornava perfeita e tranqüila. Um sonho.
No entanto, os relacionamentos
amorosos das pessoas de carne e osso pouco têm de conto de fadas. Não
raramente, acabam virando um tormento. Em casos extremos, transformam-se em
filme de terror. Todo mundo sabe o quanto não é fácil, passado o estado de
encantamento, constatar que o ser amado acorda com remela no olho e não gosta
do mesmo sabor de patê. E, quando divergências sobre a marca de papel higiênico
e sobre outros itens da lista do supermercado contaminam o dia-a-dia, a relação
(e as aborrecidas discussões sobre a relação) pode fazer do romance um
suplício. Chega o momento de colocar a consistência dos sentimentos em questão:
pára ou continua? A mocinha pede o fim do namoro, mas o príncipe desencantado não
se conforma. Num misto de desconfiança e desespero, em vez de atirar na bruxa
malvada, ele acerta a mulher - um desfecho trágico, nada a ver com o amor
eterno apregoado pelos contos infantis.
Turbulência - Crimes
passionais, como o cometido pelo jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves em 20
de agosto deste ano, que pôs um ponto final na vida da ex-namorada, Sandra
Gomide, renovam uma questão perturbadora: por que pessoas comuns se envolvem em
relacionamentos crescentemente turbulentos. Por que eles levam a um desfecho
dramático? Aos 63 anos, Pimenta Neves tinha um cargo poderoso. Ele ocupava o
posto de diretor de redação do jornal O Estado de S. Paulo quando deu dois
tiros em Sandra - um nas costas e outro, à queima-roupa, no ouvido. Coisa de
homem machista? Mulheres bonitas e inteligentes também cometem atos violentos
movidas por paixões obsessivas. Há quase cinco anos, os jornais noticiaram que,
num de seus momentos de destrambelhamento, Vera Fischer agrediu com uma chave
de carro o ex-marido Felipe Camargo, nove anos mais novo.
Maridos que batem na mulher,
mulheres que atiram o aparelho de jantar no parceiro - coisas assim acontecem
todos os dias. Porém sejamos francos: se a violência fica confinada a casas de
narcotraficantes ou nas famílias pobres das favelas, não damos a mínima. Mas,
quando pessoas bem-sucedidas, como Pimenta e Vera, vão parar nas páginas
policiais dos jornais (no caso de Pimenta, do próprio jornal), ficamos com a
incômoda impressão de que, em algum momento, o destino pode nos meter numa
roubada dessas. Será?
Sem querer semear o pânico,
virtualmente qualquer um de nós poderia protagonizar dramas assim, no papel de
agressor ou de agredido. Os pontos do roteiro estão praticamente em qualquer
forma de amor que valha a pena: uma forte paixão, um tanto de ciúme, uma pitada
de desconfiança, outra de insegurança e momentos de impulsividade. A menos que
seja feito de geléia de chuchu ou nunca tenha se apaixonado na vida, você já
deve ter provado um coquetel de emoções como essas (veja depoimentos).
Insanidade - As experiências
individuais, a maneira de lidar com as frustrações cotidianas, o temperamento
de cada um e, sobretudo, a mistura potencialmente explosiva entre duas
personalidades em ponto de combustão fazem a diferença. "Em última
instância, o freio para o descontrole total é a ética - ou seja, o
respeito pelo outro e pela vida", afirma o psicólogo Yves de La Taille, da Universidade de
São Paulo. "Vontade de matar alguém num momento de muita raiva todos
temos. Mas só alguns a colocam em prática."
Freud escreveu que o estado de
estar apaixonado é mais próximo da insanidade que da razão. Com o
discernimento deliciosamente prejudicado, o ser apaixonado é capaz de
grandes arroubos. "A paixão é também um momento de crise, em que a pessoa
está mais exposta, sem defesas, e perde temporariamente as fronteiras razoáveis
com o mundo externo", diz o psicanalista Márcio de Freitas Giovannetti, da
Sociedade Brasileira de Psicanálise. É um período no qual a razão tira
mesmo férias. Abre-se espaço para as fantasias e, em certos casos, também para
neuroses e obsessões. "O ser amado é visto como a possibilidade de
realizar todos os desejos", afirma o psicanalista. "Essa é a
tradução radical de uma fantasia infantil, vivida por todos nós, de que existe
um outro que vai nos satisfazer por completo, alguém que vai preencher todos os
nossos desejos e as nossas necessidades, como o seio materno, que sacia
plenamente a fome do bebê."
Com o tempo, para a maioria
das pessoas suficientemente equilibradas, a fantasia se desfaz. Mas, na mente
de algumas, a ilusão não termina - pelo contrário, vai ganhando contornos de
paradoxal realidade à medida que fica evidente que o outro não é a
salvação da lavoura. Começa o assédio. "Há indivíduos que investem tanto
no parceiro que o acabam transformando numa parte dele mesmo, num objeto de
posse", diz Giovannetti. "Quando o outro sacramenta o equívoco dessa
crença - terminando a relação ou declarando sua independência emocional -, o
sujeito se sente profundamente lesado." O sentimento é de terrível
perda, como se um braço tivesse sido arrancado. Vêm a mágoa, o rancor, o
despeito, o desejo de vingança. Em casos extremos, a vontade de matar de
verdade. É como se o ressentido, transformado em agressor, dissesse:
"Você não tem vida própria, só tem sentido para mim se for meu. Se não
está comigo, então está contra mim.
É uma ameaça que tem de ser destruída".
Responsável - Mesmo que
sejamos capazes de entender a lógica perversa que joga momentaneamente a razão
para escanteio, não costumamos aceitar que um criminoso não tenha
responsabilidade sobre seu atos. "A estrutura jurídica prevê que o ser
humano é passível, num estado de grande comoção, de ultrapassar o limiar
entre o que se pode e o que não se pode fazer", afirma o psiquiatra
forense Talvane Marins de Moraes, da Associação Brasileira de Psiquiatria.
"No entanto, a lei não exime de responsabilidade quem, mesmo sob forte
paixão e emoção, cometa um homicídio." (Veja quadro nesta página.) A legislação só protege quem é de fato
doente ou apresente o grau mais extremo do ciúme patológico, o chamado ciúme
delirante, em que a pessoa acredita piamente que o parceiro a está traindo.
"Nesses casos, os doentes são inimputáveis", diz o psiquiatra.
Existem pessoas mais propensas
do que outras a mergulhar num relacionamento obsessivo? "Em geral,
indivíduos muito retraídos, com poucos amigos e dificuldade para estabelecer
vínculos duradouros, quando se apaixonam tendem a se fixar no ser amado",
afirma a psiquiatra Maria Conceição do Rosário Campos, do Hospital das Clínicas
de São Paulo. O mesmo acontece com aqueles que não sabem perder ou aceitar uma
negativa. Ao tentar desesperadamente manter a posse do parceiro, o objeto da
obsessão se torna o foco de todos os pensamentos.
Ninguém está livre de
atravessar períodos amorosamente turbulentos na vida. Você certamente conhece o
caso de algum amigo inconformado com o término do relacionamento - não
exatamente porque ainda se sinta apaixonado, mas por não admitir ser descartado
ou por ter medo de não conseguir conquistar outra mulher. Na tentativa
inconsciente de fazer a ex-cara-metade mudar de idéia, ainda que o amor já não
exista mais, ele insiste em retomar o namoro. Contraditoriamente, menospreza a
relação que tiveram e não poupa críticas e cobranças. Numa mão, flores. Na
outra, pedras. "A paixão romântica pressupõe um querer-bem", diz
Maria Conceição. "Quando alguém deseja manter a relação amorosa a qualquer
custo, apesar de desdenhá-la, demonstra que o sentimento já mudou, virou uma fixação."
Não é regra, mas a idéia fixa sobre o outro em um nível extremo pode levar
alguém a cometer uma insanidade contra aquele que supostamente ama.
"A impulsividade, um dos
motores básicos das atitudes impensadas, nada mais é do que uma baixa
tolerância às frustrações" , afirma o psicoterapeuta Roberto Banaco, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Segundo ele, quando alguém vem
acumulando uma série de frustrações seguidas em todos os setores de sua vida,
fica mais sensível a reagir agressivamente à próxima provocação. "A
tendência é eliminar a fonte de agressão", diz. Uma briga com o
parceiro pode ser o estopim para uma fúria desmedida. Num delírio momentâneo,
surge a solução mágica: acabar com ele, ou com ela.
É bom saber que ninguém
parte para um crime sem aviso. O crime passional é o desfecho da crônica
de uma morte anunciada, na qual o vilão vai dando pistas de que algo não vai
nadíssima bem. O dramático é que esses sinais em geral não são vistos com
a real seriedade que mereceriam. "Só depois do crime é que as
mudanças de comportamento começam a fazer sentido", diz o psiquiatra e
psicoterapeuta Eduardo Ferreira-Santos, da USP. É aquela história de
prever o passado.
Descontrole - Imagine um
sujeito ciclotímico - definição de quem apresenta flutuações constantes no
humor e ocasiões de desobediência aos modos elementares da boa educação -, como
seria Pimenta Neves, segundo a descrição de colegas de trabalho e amigos. Um
ato de destempero verbal não chamaria necessariamente a atenção. Uma ofensa
poderia ser considerada "jeito dele". Mas não seria irresponsável
aceitar que um indivíduo assim, passando por um período de extrema tensão,
andasse armado?
É impossível saber o que
exatamente se passa na cabeça de um criminoso passional. O neurocientista
Renato Sabbatini, da Universidade Estadual de Campinas, arrisca uma explicação.
Para ele, o comportamento humano é resultado do jogo entre razão e emoção.
Em linguagem neurológica, uma associação entre o córtex pré-frontal, a área do
cérebro relacionada à atividade intelectual, e o sistema límbico, responsável
pelo controle das emoções. "Há situações, não se sabe bem por que, em que
o cérebro racional não consegue inibir uma superatividade dos neurônios na
região do sistema límbico", diz Sabbatini. "Com isso, o indivíduo
torna-se instável, e o autocontrole falha. Num momento de ira, ele grita,
ofende, bate e, se tiver uma arma no bolso, pode usá-la. Quando o sistema
racional retoma a dianteira, o sujeito toma consciência do que fez e se
arrepende."
Segundo o psiquiatra Talvane
de Moraes, os crimes passionais compartilham algumas características. "O
réu, na maioria dos casos, não tem antecedentes criminais. Ele faz tudo num
momento de grande tensão, depois de discussões ásperas e troca de provocações.
Passada a agressão, é comum o criminoso se surpreender com as próprias
atitudes e se sentir tocado pelo que fez." Ele fica no local do crime,
chama a polícia, pede ajuda. "Em resumo, retoma a autocrítica", diz
Moraes. Baixa um grande sentimento de culpa. Alguns se suicidam.
Transtornado - Além dos
ingredientes psicológicos e biológicos, existem também os fatores culturais,
que podem criar um contexto favorável ao crime passional. São circunstâncias
que apimentam histórias de amor que poderiam estar nas telas do cinema. E
estão. (Veja quadro abaixo.) "Há quem ainda justifique um crime contra a
mulher alegando que ela era infiel e que, por isso, a matou em legítima defesa
da honra. Por outro lado, mulheres que matam o marido depois de anos sofrendo
agressões físicas conseguem atenuantes ou até a absolvição", diz a
socióloga Wania Pasinato Izumino, do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
A sociedade tende a ser
tolerante em relação aos "homens e mulheres de bem" que, de repente,
cometem crimes motivados por incontroláveis paixões. "Temos dificuldade de
reconhecer que no nosso grupo, no nosso rebanho, alguém agiu muito mal",
diz o psiquiatra Talvane de Moraes. "Então, a nossa justificativa
é sempre que Fulano estava transtornado, agindo sob privação de sentidos e
forte emoção." É a forma mais fácil que a sociedade encontrou para
conviver com um medo terrível: o de que, como no esplêndido romance do escocês
Robert Louis Stevenson, cada um de nós - gente de bem - abrigue um Mr. Hyde à
espera de uma oportunidade para ser libertado.
Frases
"Vontade de matar alguém
todos temos de vez em
quando. Mas só alguns a concretizam"
Estar apaixonado é mais
próximo da insanidade que da razão
Existem pessoas mais propensas
a mergulhar em relações obsessivas?
Temos medo de que cada um de
nós abrigue um Mr. Hyde à espera da sua hora
"Ele achava que eu dava
bola para outro"
"Foram cinco anos e meio de um
relacionamento tumultuado, cheio de brigas, ofensas, gestos brutos e uma paixão
para lá de intensa. Mesmo assim, eu ainda tenho algumas boas lembranças do
Fábio (veja quadro na página ao lado). A gente pensava em se casar e ter
filhos; ele era o homem da minha vida. Nos primeiros anos, eu tolerava os
acessos de ciúme dele - que sempre achava que eu estava dando bola para outro
-, as ofensas e as explosões de raiva. Ele chegou a me chamar de vagabunda, na
frente dos nossos amigos. Mas a paixão era tão grande que um palavrão nem
parecia tão grave. Vivíamos um em função do outro, estávamos sempre juntos. Só
que as brigas foram passando dos limites. Tudo era motivo para discussão, e as
atitudes dele ficavam cada vez mais agressivas - apertões no braço, arranhões
no rosto. Hoje sei que a agressividade dele era uma reação ao meu jeito de ser.
Apesar de sofrer, eu não pensava em romper o namoro. Tinha medo de não
experimentar novamente aquele sentimento forte. Nós não tivemos uma fase de
paixão - foi paixão do começo ao fim. Só terminei o relacionamento quando
descobri que ele havia me traído. Existia um pacto de fidelidade entre a
gente."
"Eu achava que ela iria
me trair"
"Quando eu me lembro do primeiro beijo
que dei em Ana (veja quadro na outra página), há nove anos, me dá uma baita
saudade. Foi uma sensação forte, diferente de tudo o que eu tinha vivido antes.
Mas sinto também culpa e vergonha por causa do meu ciúme exagerado e das minhas
constantes agressões verbais a ela. Eu passava dos limites. Não conseguia
administrar meus sentimentos. A paixão era tão incontrolável que eu imaginava
que todos os homens a achavam linda como eu e queriam beijar aquela boca
deliciosa. Eu sei que fui um idiota. Bastava a Ana olhar para o lado que eu já
entrava em parafuso, xingava ou a tratava de um jeito mais bruto. Eu era muito
inseguro. Acreditava que não conseguia satisfazê-la, que não era homem
suficiente para ela e, por isso, tinha muito medo de perdê-la. Ficava
desesperado quando ela queria sair, achava que ia ser traído. Era muito
impulsivo. Minha atitude mais bruta era um modo de eu mostrar o que estava
sentindo. E eu chamava de vagabunda uma mulher que nunca me traiu, que absurdo!
Faz quatro anos que eu estou longe dela. Hoje tenho outra namorada e mudei meu
jeito de ser. Não quero mais viver aquilo."
Pequena História do Direito
nas Paixões Obsessivas
O conceito de crime passional e o tratamento
ao agressor foram mudando no decorrer do tempo, ao acompanhar as transformações
culturais. Durante séculos, os direitos da mulher previstos na lei não eram os
mesmos do homem. Adultério era uma justificativa que só servia para eles. Veja
o que mudou no mundo e no Brasil:
Antigüidade e Idade Média
A vida da mulher não pertencia
a ela. Na Roma antiga, onde nasceu o embrião do Direito, ela não era
considerada cidadã plena. Sua vida pertencia primeiro ao pai e depois ao
marido, que tinha o direito de executá-la quando lhe conviesse. Na época
medieval, o assassinato de uma mulher pelo companheiro só era punido se a
vítima fosse do interesse do senhor feudal.
Idade Moderna
Com a chegada de dom João VI
ao Brasil, chegaram também as regras do além-mar. O marido não podia atacar a
esposa sem alguma razão. Mas, caso fosse traído, ganhava esse direito.
No Brasil, segundo as
Ordenações Filipinas promulgadas pelo Reino de Portugal, mesmo que o marido
ultrajado não tomasse alguma atitude contra tal "vergonha", o Estado
poderia decretar a pena de morte para a adúltera e para o amante.
Idade Contemporânea
A Revolução Francesa condenou
reis, mudou costumes, implantou novos valores e conceitos legais. Depois de
1800, na Europa, e de 1830 no Brasil, o assassinato da mulher tornou-se crime,
mesmo que se constatasse adultério por parte dela. A situação emocional do
marido, a maneira pela qual ele descobrisse a traição e o ambiente em que se
dava a tragédia podiam ser atenuantes da pena.
Século XX
O Código Penal brasileiro, no
crime passional, leva em conta a possibilidade de o réu não estar em seu estado
normal quanto praticou o crime. Entra em moda também um novo argumento para os
homens: a legítima defesa da honra. Trata-se da tese segundo a qual, ao matar a
companheira adúltera, o homem estaria apenas limpando seu nome. Foi o que
alegou Doca Street, assassino de Ângela Diniz, ao júri.
Século XXI
A alegação de defesa da honra
passou a ser repudiada pelo júri popular. O adultério ainda é crime, mas
puni-lo caiu em desuso. Há
cinco anos, foi criado o Juizado Especial Criminal, com o objetivo de resolver
queixas de maus-tratos e violência doméstica. Para lá seguiu o boletim de
ocorrência registrado por Sandra Gomide, em que denuncia uma agressão de
Pimenta Neves semanas antes de seu assassinato.
Matou o parceiro e foi ao
cinema
Intrigas recheadas de ódio,
loucura e paixão desmedida sempre fizeram parte das histórias de amor contadas
no cinema. Em 1981, o cineasta francês François Truffaut levou às telas o drama
de uma paixão arrebatadora e destrutiva em A Mulher do Lado. Bernard vivia bem com a esposa
e o filho até o dia em que um casal se mudou para a casa vizinha à da
família. Com Mathilde, a mulher do lado do título, Bernard vivera um tórrido
romance no passado. A atração entre os dois reaparece, mas vai destruindo a
vida de ambos até o trágico desfecho. "Era uma relação permeada de
muita culpa, e nenhum dos dois aceitava que o passado tivesse realmente
passado", diz a psiquiatra Ana Hounie. Já a personagem Alex, de Atração
Fatal, de Adrian Lyne, é uma executiva bacana e independente que tem um
caso com Dan, um homem casado. Quer dizer, um caso para ela, porque para Dan
tudo não passara de uma escapadinha. Conforme Dan tenta romper a relação, Alex
pira. "Ela quer tudo girando em torno de seu desejo. Em seu mundo
imaginário, Dan é sua presa, sua posse, parte de si mesma", diz a
psicanalista Sylvia França dos Reis. "Não mais lhe será permitido obter
prazer de outras fontes que não a partir dela." O ciúme delirante serviu
de inspiração para Claude Chabrol em seu Ciúme, o Inferno do Amor Possessivo (1994).
Paul, dono de uma pousada, é um homem deprimido, ansioso e inseguro que
procura na mulher Nely os atributos que lhe faltam: alegria, liberdade,
segurança. Com a construção de um outro hotel na região, ele passa a sentir-se
ameaçado. "Paul transfere seus temores para Nely, numa manifestação de
ciúme infundado, que tem suas raízes nas diferenças entre ambos", diz o
psicoterapeuta Eduardo Ferreira-Santos. "Ele a ama e a odeia pelo mesmo
motivo: quer ser o que ela é, mas não consegue." O desfecho - adivinhou -
também é trágico.
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